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Quando o invisível se revela

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Entre os 15 e os 17 anos, minha vida foi tomada por perdas.

Meu mundo, que já era cheio de sombras desde a infância, se tornou ainda mais silencioso e pesado. Meus pais se separaram. Minhas primas — que moravam conosco e preenchiam os espaços com risos — foram embora.

Ficamos só nós três: eu, minha mãe e meu irmão caçula, três anos mais novo.


Trabalhava desde cedo, mas tive que intensificar ainda mais para ajudar em casa.

O estudo ficou para trás.

A vida era pagar aluguel, sobreviver e silenciar a dor.


Minha mãe era umbandista, mas eu nunca havia prestado atenção nisso. Para mim, aquilo tudo era cercado de medo. Desde pequena via meus pais brigarem intensamente.

Lembro dos gritos da minha mãe:

“É feitiço, é catimbó! A mãe dele joga pra me pegar, mas como eu sou protegida, pega nele!”


E então, meu pai se transformava.

Bebia até perder a razão. Ficava irreconhecível.

Muitas vezes, fui eu quem o tirou de cima dela — faca em punho, olhar vazio.

Eu nem sabia como conseguia. Mas conseguia.

Lembro que aos 15 anos eu queria ser freira, eu me fechei muito com a perda do grande amor platônico da minha vida.

Mas nunca revelei isso a ninguém, ficava só com minha tristeza.


Aos 17, depois de tantas perdas e traumas, algo dentro de mim começou a se romper.

Estava em um relacionamento sério, mas não sabia o que queria da vida.

A pressão aumentava. A alma se fechava. E, por dentro, algo escurecia cada vez mais.


Entrei em depressão. Uma tristeza silenciosa que me afastava do mundo.

Fiquei arredia, agressiva, sem controle sobre o que dizia ou sentia.

Feri minha mãe com palavras duras. Rebatia tudo. Não queria conselhos.

Não queria ninguém.


Minha mãe, preocupada, dizia que havia algo espiritual acontecendo comigo.

Queria me levar à casa de umbanda que frequentava — a mesma mãe de santo que, anos antes, seria minha madrinha de crisma na igreja católica. Mas eu nunca tinha aceitado nenhuma dessas estruturas.

Não entendia os rituais. Achava tolice. Rejeitava tudo.


Foi depois do Natal que toquei o fundo do poço.

Tentei me jogar na frente de um ônibus. Era algo incontrolável, não sei explicar até hoje por que aquilo aconteceu.


Meu namorado me impediu e me levou a um centro psiquiátrico.

Tentei fugir. Seis pessoas precisaram me conter.

O médico, apesar do surto, não achou necessário internar.

Prescreveu remédios.

Fiquei sedada por quase três meses — uma névoa química escondendo minha dor.


Depois de um tempo, joguei os remédios fora.

E, junto com eles, joguei fora também o noivado.

A ruptura foi total. Eu precisava voltar a vida, isso gritava dentro de mim.


Foi aí que tudo mudou.


Um dia, em casa, minha mãe olhou para mim e disse:

“Você não está normal. Isso é espiritual.”

Debochei. Gritei.

“Se isso existe, eu só acredito vendo!” — bradei.


E então, como se o invisível tivesse me ouvido…

Caí no chão. Comecei a me debater.

Via tudo. Ouvia tudo. Mas não conseguia controlar meu corpo.

Não sentia minhas forças.

Gritos, murmúrios, uma dor que não vinha de fora — mas de algum lugar muito fundo.

Minha mãe correu para rezar. Chamou um casal de amigos para ajudá-la.

Eu estava ali, entregue, em transe.


Naquela noite, deitada no chão, começou uma outra vida.

Um portal se abriu.

E eu entendi, pela primeira vez, que há coisas que não se explicam — apenas se vivem e se sentem.


Mas isso… isso eu vou contar com calma. Porque o que aconteceu depois disso… mudou tudo.


Marcia Fabiana


 
 
 

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